Histórias negras em Morro Velho mostram a presença africana e afro-brasileira na mineração de Nova Lima

Exposição no Centro de Memória AngloGold Ashanti apresenta documentos, fotografias e narrativas inéditas sobre trabalhadores e comunidades negras que marcaram a história local

O Centro de Memória AngloGold Ashanti inaugura, no dia 17 de dezembro de 2025, a exposição Fundamento: africanos e afro-brasileiros em Morro Velho, que evidencia a presença africana e afro-brasileira na antiga Mina de Morro Velho ao longo do século XIX e das primeiras décadas do século XX. A mostra reconhece essas vidas como fundamento da história, da cultura e da própria formação de Nova Lima e da região. Com curadoria de Josemeire Alves e expografia de Cristiano Cezario, a exposição lança luz sobre trabalhadores, trabalhadoras e comunidades negras que, apesar de determinantes para o desenvolvimento local, permaneceram historicamente invisibilizados. A linha curatorial é guiada pelos princípios centro-africanos de circularidade, conceito relacionado às prováveis origens dos trabalhadores negros que atuaram na mineração. A partir desse eixo, a mostra valoriza identidades africanas e afro-diaspóricas e busca oferecer às comunidades negras de Nova Lima, e ao público em geral, acesso a informações ainda escassas.

“Alguns desses documentos, que integram o Centro de Memória AngloGold Ashanti, são apresentados ao público pela primeira vez nesta exposição, em um gesto que busca abrir caminhos para ações de reparação, considerando o compromisso assumido pelo Brasil, via tratados internacionais, de reconhecer como crimes contra a humanidade a escravidão, o tráfico transatlântico e seus impactos contemporâneos. O direito à memória é parte essencial dessas políticas reparatórias. Por isso, nos interessou evidenciar aspectos das identidades daqueles trabalhadores e trabalhadoras, para além do trabalho escravo ou livre, e estimular conexões com as experiências das comunidades negras do presente”, afirma a curadora.

Documentos do acervo revelam nomes como Chrispim Cabinda, Francisco Congo, Lucas Congo, Libério Cabinda, Joaquim Benguela, entre muitos outros. Eles permitem traçar conexões entre o passado e as experiências atuais das comunidades negras, destacando aspectos culturais, religiosos, espirituais e artísticos que atravessam gerações.

Expografia: camadas, estratos e presenças

A expografia desenvolvida por Cristiano Cezario faz referência à noção de estratificação, associada tanto às camadas geológicas da mineração quanto às camadas históricas e simbólicas que conformam as experiências negras no Brasil. A proposta utiliza o mínimo de intervenções físicas e cria um espaço fluido, voltado para valorizar narrativas, imagens e identidades de trabalhadores historicamente invisibilizados.

A identidade visual parte das fichas de trabalhadores da mineração, transformando pequenos retratos em presença coletiva por meio de ampliações que afirmam rostos, expressões e histórias antes apagadas. A paleta de cores reinterpreta o Cosmograma Bakongo, mantendo a carga simbólica dos ciclos vitais, mas em tons mais sóbrios. A tipografia combina a robusta Anton, que transmite fundamento e permanência, com a leve Josefin Sans, que organiza a hierarquia textual. A disposição circular do subtítulo dialoga com cosmologias africanas, evocando ciclos de vida, morte e ancestralidade. A identidade visual é assinada por Marcela Rosenburg e Victor Lagoeiro, da Micrópolis, empresa especializada em arquitetura, arte e design para exposições e museus.

Pesquisa e acervo

A pesquisa que sustenta a exposição foi realizada entre julho e setembro de 2025, reunindo levantamento documental, estudo bibliográfico e entrevistas com moradores de Nova Lima, incluindo lideranças de bairros como Boa Vista, Mingu, Rosário, Cabeceiras e Vila Operária. Esse diálogo com a comunidade, baseado na metodologia da História Oral, trouxe pistas sobre tradições, memórias religiosas, práticas culturais e referências afro-referenciadas que permanecem vivas na cidade.

O acervo mobilizado inclui registros de compra e aluguel de pessoas escravizadas, livros e fichas de trabalhadores, relatórios da mineradora, fotografias de Augusto Riedel, o álbum Views of Morro Velho (1903) e os documentários Nova Lima e os Mineiros (1983) e Firma Ponto (2024).

Percurso da exposição em três movimentos

A bênção: parte da fotografia Congado em Morro Velho (1868), de Augusto Riedel, convidando o público a homenagear ancestrais da Mina e conectando referências locais como o Cruzeiro, a Igreja do Rosário dos Homens Pretos e o Cemitério dos Escravizados.

O fogo ancestral dos que aqui chegaram: aborda origens africanas dos trabalhadores e reverberações dessas tradições nas comunidades negras contemporâneas, com fotografias, documentos da Saint John Del Rei Mining Company, mapas, referências de Timbuktu e símbolos culturais africanos.

Fluir com a força das águas: evidencia mobilizações coletivas e processos de resistência, apresentando obras documentais das primeiras décadas do século XX, fichas trabalhistas, a Ata de criação da União dos Trabalhadores da Mina de Morro Velho (1934) e narrativas audiovisuais que revelam práticas culturais, organização política e lutas por dignidade.


Mini biografias

Cristiano Cezario
Cenógrafo e arquiteto, Cristiano é professor associado na Escola de Arquitetura da UFMG e integra o Programa de Pós-Graduação em Artes da Escola de Belas Artes. Coordena o grupo de pesquisa Africanidades e a Cidade (CNPq) e é vice-líder do Barracão – Núcleo de Pesquisa e Experimentação em Cenografia, além de participar do Scenography Working Group da International Federation of Theatre Research (IFTR). Seu trabalho transita entre teatro, cinema, TV, eventos e exposições, sempre explorando a relação entre espaço e performance, com foco nas epistemologias afro-brasileiras e no design do espaço cênico como prática relacional.

Josemeire Alves
Curadora da exposição, Josemeire tem formação em História pela UFMG e Unicamp e especialização em Gestão e Conservação do Patrimônio Cultural pelo IFMG. Atuou em movimentos socioculturais de Belo Horizonte, desenvolvendo pesquisas e curadorias sobre negritudes, culturas afro-brasileiras, quilombos e patrimônio. Foi co-curadora de exposições como NDÊ! Trajetórias afro-brasileiras em Belo Horizonte, Palácio da Liberdade, Leituras Negras e O JOGO DA LIBERDADE: a Capoeira em Belo Horizonte (anos 60, 70 e 80). Atua ainda como gestora cultural na Associação Cultural Casa do Beco e integra projetos de memória e patrimônio negro em Minas Gerais.

O projeto é uma realização do Ministério da Cultura, do Instituto AngloGold Ashanti e da APPA – Cultura & Patrimônio, com patrocínio da AngloGold Ashanti. Viabilizado pela Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). Governo do Brasil, do lado do povo brasileiro.

AGRADECIMENTOS
Ademir Marques Joaquim; Alan Júnio Silva; João Pedro do Rosário Joaquim; Mãe Janaína Lírio, Pedro Henrique Lisboa Gomes e Mariana Lopes (Associação Centro Espírita Pai Benedito de Aruanda); Juliana Sampaio; Juliana Rocha; Júnio Freitas, Marcelino Edwirges e Tânia Borges (Sindicato dos Mineiros); Pedro Dornas; Mar Afonso e Mauro Gonçalves Félix – pela disponibilidade à interlocução fecunda e pelos subsídios compartilhados, durante a pesquisa que fundamentou a linha curatorial.

SERVIÇO:

Exposição: Fundamento: africanos e afro-brasileiros em Morro Velho

Abertura: 17 de dezembro de 2025 – Exposição permanente

Local: Centro de Memória AngloGold Ashanti

Endereço: Rua Enfermeiro José Caldeira, 7 – Nova Lima, MG

Visitas mediadas gratuitas: todas as visitas devem ser agendadas: De quarta a sexta-feira: 8h às 12h e 13h20 às 16h30. Fins de semana: 9h às 12h e 13h20 às 16h30

Agendamento de grupos e escolas: (31) 3589-1716 | (31) 97200-7978

Realização: Ministério da Cultura e AngloGold Ashanti

Correalização: AngloGold Ashanti

Classificação: livre

Área restrita ao
sistema de compras
e contratações

Área restrita aos colaboradores da APPA, dedicada a informativos e documentos internos